Espanha

O tribunal do Santo Ofício da Inquisição foi oficialmente estabelecido nos reinos de Castela, Aragão e Navarra, por Fernando V e Isabel a Católica, na última década do séc. XV, sendo dirigido principalmente contra os conversos, isto é, em judeus e mouros convertidos à religião católica.
A razão alegada para seu estabelecimento (bula de Sisto IV, de 1º de novembro de 1478), quando no resto da Europa a Inquisição papal já estava praticamente extinta, foi de que na sociedade espanhola um grande número de conversos ou "cristãos novos" continuava a praticar clandestinamente a religião e os costumes judaicos, negligenciando os preceitos impostos pela igreja católica. A Espanha apresentava então, socialmente, um quadro extremamente original, graças à convivência de povos de uma grande variedade ética e cultural: castelhanos, galegos, valencianos, andaluzes, etc., e ainda os judeus e mouros, desempenhando papel importante na vida econômica.
Castela e Aragão tinham nessa época uma população de cerca de 9 milhões de habitantes, dos quais a nobreza constituía aproximadamente 0.8%.
Essa diminuta proporção era dona, direta ou indiretamente de mais de 97% do solo da península ibérica. Sendo a maior parte da renda proveniente da terra, os aristocratas controlavam a vida econômica do país. A coroa, ao tempo dos Reis Católicos, reduziu as concessões feitas anteriormente aos nobres, mas não lhes diminuía a força política e social, chegando, numa tentativa de acomodação, a aliar-se com as elites dominantes, fato que teve importância decisiva para os futuros acontecimentos da Espanha.
Alegando que os judeus contagiavam os conversos com suas práticas, os Reis Católicos ordenavam, três meses após a conquista de Granada, a expulsão de todos os judeus dos reinos espanhóis.
Tratava-se, em substância de uma tentativa da nobreza feudal de eliminar uma parte da burguesia - os judeus - que tinham criado força e espirava ao domínio do Estado. A reação contra essa parte da sociedade espanhola, que controlava o capital e o comércio, já se havia iniciado em relação aos judeus e adoção gradativa, contra eles, desde meados do séc. XIV, dos estatutos de "pureza de sangue".
Ao aplicarem esse tipo de política, destruíram a tradicional coexistência racial da península Ibérica.
Considerando a supremacia econômica por meio da propriedade da terra e eliminando as minorias dissidentes, os nobres tomavam a si a direção dos rumos da Espanha.
A Inquisição foi a arma utilizada para impor em todas as comunidades da península a ideologia de uma única classe, a aristocracia leiga e eclesiástica. Os cristãos-velhos, que pertenciam à camada desprivilegiada e pobre, identificavam-se com as camadas dominantes através da idéia da "pureza de sangue", que acabou tornando-se condição essencial de "honra". O conceito de honra criou uma perspectiva anticapitalista, reacionária e de aversão ao trabalho, que na Espanha adquiriu influência inigualada.
Foi em Sevilha, um dos mais importantes centros de judaizantes, que a Inquisição iniciou suas atividades, em 27 de setembro de 1480. Segundo o cronista Andrés Bernáldez, durante os anos de 1481 a 1488 foram queimados, mais de 700 conversos e reconciliados mais de 5.000. Em 1483, Tomás de Torquemada foi nomeado inquisidor-mor para todo o reino espanhol, conferindo à Inquisição espanhola seu caráter específico. Nesse mesmo ano o tribunal estabelece-se em Ciudad Real, condenando 100 conversos, dos quais 52 foram queimados, cerca de 15 em efígie, sendo exumados e queimados os restos mortais de outros.
Tomás de Torquemada, em lat. Turrecremada, religioso espanhol, nasceu em Vallodolid em 1420 e morreu em Ávila em 1498. Era sobrinho de cardeal Juan de Torquemada (1388-1468), considerado um dos mais importantes teólogos do séc. XV, e, como ele, pertenceu a ordem dos dominicanos. Foi prior do convento de Santa Cruz, em Segóvia, de 1452 a 1474, e confessor dos reis Fernando e Izabel. A 12 de agosto de 1483, foi nomeado inquisidor-mor dos reinos de Castela e Leão, e logo a seguir teve sua jurisdição estendida a Aragão, Valência, Catalunha e Majorca.
Estabeleceu em 1484 um código de processo de 28 artigos, mais tarde publicado sob título de Compilación de lãs instrucciones Del oficio de la Santa Inquisición. A tal extremo levou o zelo inquisitorial, que seus excessos tiveram que ser contidos pelo papa Alexandre VI. Foi o inspirador da medida de expulsão dos judeus da Espanha. Seu nome tornou-se símbolo de intolerância e fanatismo.
Em 1485, o tribunal foi transferido de Ciudad Real para Toledo, onde mantinha jurisdição sobre 88 vilas e cidades. Em 1486 realizaram-se 20 autos-de-fé em Toledo e 3.327 pessoas foram penitenciadas. Em Guadalupe o tribunal também foi estabelecido, em 1485, sendo queimados 52 conversos num ano; 48 condenados, depois de mortos, tiveram os corpos exumados e queimados, assim como as efígies de 25 conversos que fugiram. O tribunal encontrou reação por Parte dos conversos das cidades em Saragoça e Barcelona, sem contudo lograr qualquer êxito. A Espanha teve ao todo 15 tribunais: Barcelona, Córdoba, Cuenca, Granada, Logrono, Lerena, Madrid, Múrcia, Santiago, Sevilha, Toledo, Valência, Vallodolid, Saragoça e Palma de Maiorca, funcionando todos sob a direção do tribunal central, ou supremo.
O sucessor de Torquemada foi o inquisidor Diego de Deza (1499-1507), em cujo tempo foram perpetradas grandes crueldades. Carlos V deu pleno apoio à Inquisição, seu filho Filipe II, continuando a política paterna, manteve o tribunal com todo o seu poder, apesar do protesto das cortes.
Depois de 1525, a preocupação da Inquisição na Espanha se concentrou sobre os mouros, igualmente fiéis à sua religião antiga. Mais tarde, condenou também protestantes, alumbrados ou visionários. Em virtude da severidade da Inquisição, a tradição do cripto-judaismo espanhol diminuiu após a Segunda metade do séc. XVI, sendo os conversos substituídos, especialmente durante o período da união de Portugal e Espanha, pelos imigrantes portugueses. Ao tempo de Filipe III e Filipe IV o tribunal continuou suas perseguições, apesar dos interesses financeiros que o ministro Olivares tinha com os assentistas cristãos-novos portugueses.
Durante o reinado de Filipe V (1700-1746) foram queimados 1.564 hereges e reconciliados 11.730, muitos dos quais judaizantes. Cada tribunal realizava, então, um, dois e às vezes três autos-de-fé por ano. Na segunda metade do séc. XVIII a atividade da Inquisição diminuiu, principalmente devido às idéias dos iluministas. O judaísmo fora quase totalmente extirpado; grande parte dos descendentes dos conversos haviam fugido ou sido condenados.
A Inquisição permaneceu em atividade até a invasão francesa, sendo abolida por José Bonaparte em 1808. Foi implantada em 1814 por Fernando VII e finalmente extinta por decreto real, durante a revolução constitucional, a 9 de março de 1820. Com o movimento contra-revolucionário de 1823 reviveu novamente, sendo, a 26 de julho de 1826, enforcada e queimada em efígie a última vítima do tribunal peninsular. A 15 de julho de 1834, a Inquisição foi abolida definitivamente pela rainha Maria Cristina. O número de hereges queimados na Espanha pelo Santo Ofício, até sua extinção, é calculado em 31.912; os queimados em efígie, 17.659, os reconciliados de vehementa, 291.450.

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